Se quisermos considerar o cristianismo como uma religião, então, para compreendê-lo, por causa da graça, devemos fazer uma primeira grande distinção: de um lado o cristianismo e de outro todas as demais religiões. Isso porque a graça é uma peculiaridade do cristianismo. A razão pela qual a graça é tão ameaçadora às pretensões humanas é que ao considerá-la, não sobra mais praticamente nada que sustente as grandes religiões. Todo serviço religiosos baseado na troca, nos sacrifícios, nos méritos e nos intermediários vai abaixo quando a graça é compreendida e aceita. Porém, a graça que é uma coisa muito simples é, ao mesmo tempo, algo inaceitável enquanto estivermos reféns de nosso próprio senso de justiça.
A graça representa uma revolução nos sistemas religiosos dos seres humanos. Por isso ela é tão ameaçadora. Pois ela desafia a nossa lógica e subverte todos os nossos aparatos. Ela purifica de todos os badulaques: santinhos, fumaça, sangue, trajes sacramentais, peregrinações, auto-flagelações, objetos ungidos, água fluidificada, amuletos, horóscopos, superstições, sacrifício de animais, penitências, esquemas baseados na troca de favores, pagamento de promessas, ritos sagrados, oração por copos de água e qualquer outro tipo de objeto pessoal, receitas com três, sete, dez ou quarenta passos, campanhas disso e daquilo, etc. Dá para compreender, então, porque a maioria das igrejas e das religiões ignora a graça. Se a considerassem, o que restaria de todos os esquemas tão bem montados? Onde ainda aferir lucro? Como conseguir status, poder, fama e influência?
Compreender a graça significa dar-se conta de que a coisa começa com arrependimento. Uma mudança na trajetória. A graça, salvo raras exceções, me deixa no anonimato. A unica honra está em servir por amor. Quando bem compreendida, a graça gera um suspiro. É o suspiro daqueles que de repente sentem-se aliviados. Sem qualquer preocupação em ter que competir ou julgar, sem precisar mais agradar a Deus para aplacar a sua ira com sacrifícios e ofertas, sem nenhuma necessidade de auto-afirmação, sem ser pressionado pela exigência de mais e mais boas obras para comprar um além melhor... O agraciado está livre para viver uma vida de gratidão. E, a consciência da gratidão pode gerar aquilo que nenhuma representação religiosa é capaz: pessoas que vivem em resposta e não como quem precisa conquistar. Para compreender isso, pense em como nós costumamos agir quando sentimo-nos gratos. É bem diferente do que quando precisamos de estratégias para conseguir algo de alguém. Se nós precisamos de ajuda para tantos coisas, o que nos faz acreditar que não precisaríamos justamente naquilo que é mais fundamental em nossas vidas?
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