No capítulo 17 do Evangelho de Mateus encontramos duas cenas narradas em sequência com as quais me ocupei a refletir um pouquinho. O primeiro cenário deste texto é o alto de um monte. Ali Jesus é transfigurado. Três do grupo dos doze discípulos estão com Jesus neste monte. Os outros nove estão em algum lugar lá embaixo tendo que lidar com o pedido de um pai que busca ajuda para o seu filho endemoninhado. Enquanto Pedro, Tiago e João contemplavam o Jesus transfigurado, os outros nove testemunhavam as forças do próprio satanás. Enquanto lá no alto a visão que os três têm é do céu se abrindo, lá embaixo os outros tinham um pedido de socorro em meio à aflição, o desespero, a dor. Lá no alto, a visão do paraíso, lá embaixo, a manifestação dos poderes das trevas. Num lugar, a paz, o sobrenatural que aponta para o reino de Deus. Noutro, a limitação, a impotência, a incredulidade.
Pedro, um dos três que estava com Jesus no alto da montanha, logo percebe o contraste. Ele sabe como são as coisas no sopé da montanha. Por isso, não se contém: “Senhor, é bom estarmos aqui...” Mais do que isso, Pedro se dispõe a construir algumas tendas, criar um memorial, quem sabe, e poder permanecer por ali mesmo. Se os outros nove soubessem como estavam as coisas lá em cima, certamente também desejariam estar lá, provavelmente apoiando Pedro em sua ideia. Sendo sincero, talvez eu também optasse pelo alto do monte, longe dos dramas, das lutas, dos conflitos, do sofrimento, da dor, da injustiça do mundo. Porém, se não temos a montanha, o perigo que corremos é a tentação de fazer do templo, da igreja, dos seus programas, um monte artificial, uma ficção onde nos refugiarmos da realidade. E, se Jesus não aparece resplandecente, se não temos visões, nós as fabricamos. É difícil para nós admitir que, como crentes, a vida é “lá (aqui?) embaixo”, entre pais desesperados, mães aflitas, gritos de horror e a presença do próprio demônio.
O fato é que nós estamos aqui. Embora, seja verdade, que não devemos nos contentar com a realidade como ela se apresenta: com suas dores, sofrimento e injustiça. E, Jesus mostra isso ao deixar novamente a sua glória, descer do monte, repreender o demônio e libertar aquele menino. As trevas não devem prevalecer. Não devemos, jamais, nos conformar. Por enquanto, pelo menos, a vida do cristão é “aqui embaixo”, sem perder a consciência de que o Jesus transfigurado, do monte, também está aqui. Jesus permitiu àqueles três discípulos serem fortalecidos na certeza de onde eles devem se ancorar. Mesmo que depois da mais esplendorosa experiência, algumas palavras caiam como um balde de água fria: “Vamos descer!”
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