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sexta-feira, 8 de julho de 2016

O Cristão e as Ideologias

Ninguém pode servir a dois senhores; pois odiará a um e amará o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro” (Mateus 6:24).

Como cristãos, sabemos que Deus é o criador de todas as coisas e que, por isso, podemos avaliar todas as coisas e reconhecer a verdade ali onde ela estiver. No caso das ideologias, todas elas, por partirem de algum fundamento isolado da criação de Deus, podem refletir alguma razão ou verdade. 

A tradição cristã costuma revelar três formas distintas de relação com a cultura: 1) Contra a cultura; 2) Amigo da cultura; 3) Crítico à cultura.

O autor e cineasta Brian Godawa[1] chama a postura contrária a cultura de “anorexia cultural”, aquela postura de considerar tudo que não é “gospel” ou “evangélico” de mundano, logo, a pessoa não vê nenhum filme, não ouve nenhuma música, nada que seja “do mundo”. Com isso, não sabe aproveitar as coisas boas da vida, não se diverte, pois tudo o que é “do mundo” deve ser evitado. Isola-se num gueto.

Por outro lado, há o “glutão cultural” que é como Godawa chama o amigo da cultura. É aquele que cai de cabeça, não quer nem saber. Desliga todo e qualquer tipo de senso crítico. Vai consumindo música, filmes, espetáculos, tudo sem o mínimo discernimento. Ele é do tipo que quando alguém questiona, logo responde, “é só por lazer”, ou, “você leva tudo a sério demais”. São pessoas que ignoram que os artefatos culturais não gozam de neutralidade, que não servem apenas para entreter, mas, transmitem uma mensagem que, no final das contas, tem o objetivo de influenciar você.

Ambas as posturas são problemáticas. Como cristãos, somos chamados a examinar todas as coisas e reter o que é bom[2]. A relação que se espera de um cristão com a cultura a sua volta não é de simplesmente sair consumindo tudo acriticamente e, nem tampouco, evitar tudo ou até mesmo condenar todas as coisas como se fossem pecaminosas somente por não serem produção vinda de cristãos. Este é um princípio que deveria ser aplicado também ao lidarmos com as ideologias políticas.

Muitas pessoas cristãs acreditam que sua fé nada tem a ver com política. Devemos superar tal equívoco, pois, a postura contra a cultura reflete o falso pressuposto de que os reinos deste mundo pertencem a satanás[3]. Com isso, a tendência é o isolamento e a incapacidade de interagir e reconhecer que possa existir algo bom na cultura e nas ideologias e que, por isso, merecem reconhecimento e apoio.

Por outro lado, há o risco de um alinhamento político feito de maneira inadvertida. Essa tentativa de combinar a fé cristã com alguma ideologia sem uma análise crítica pode gerar sérios problemas e levar, até mesmo, a verdadeiras tiranias. Não deveríamos tomar as ideologias como se fossem simplesmente discursos neutros, algo que simplesmente se pode tomar sob o argumento de que “o que vale é a intenção”.

Uma primeira questão e que é chave para os cristãos que desejam nutrir uma correta relação com a cultura consiste em identificar as raízes religiosas das ideologias. Em outras palavras, é necessário identificar a cosmovisão por trás da cultura e das ideologias. Trata-se do que o filósofo David Koyzis chama de raízes espirituais das ideologias[4]. Somente ao atentarmos para isso seremos capazes de perceber que há uma verdadeira incompatibilidade entre os pressupostos religiosos das ideologias e os fundamentos do cristianismo bíblico.

Quando pensamos em ideologias políticas nos lembramos logo de governos, partidos políticos e sistemas jurídicos. Há, no entanto, uma diferença entre ideologias como o liberalismo e o socialismo, para as instituições como o governo e o sistema jurídico. Tal diferença consiste em dizer que tais instituições podem ser utilizadas para bem ou para mal, dependendo de qual direção a ideologia por trás daqueles que administram estas instituições desejam imprimir. Um socialista irá forçar o governo e criar uma proposta partidária diferente de alguém identificado com o liberalismo, por exemplo. A ideologia, assim, acaba sendo um meio para se alcançar determinado fim. Ao adotar inadvertidamente uma ideologia como meio para fins justificáveis, por mais nobres que estes fins pareçam à causa cristã, o que há, de fato, é idolatria.

Enfim, diante da complexidade da realidade à nossa volta, qual é a postura que os cristãos deveriam assumir? Já dissemos que é importante analisar tudo e reter o que é bom. Nem uma postura totalmente contrária e tampouco acrítica é desejável. Não podemos, no entanto, interagir e emitir juízos sobre qualquer ideologia sem conhece-las e identificar aquilo que reconhecem corretamente. Se o liberalismo defende os direitos humanos, nisso estão corretos. Se o conservadorismo defende a importância da tradição e da continuidade histórica, nisso eles acertam. Se os nacionalistas defendem a solidariedade comunitária entre aqueles que compartilham a mesma cidadania, ponto para eles. Se os socialistas pregam a equidade econômica, merecem todo o reconhecimento neste aspecto. O problema reside em tornar tais aspectos da realidade verdadeiros absolutos sobre os quais sustentam toda a ideologia. A deificação de um destes aspectos da realidade criada por Deus torna-se em idolatria que gera efeitos nefastos e, como todo ídolo, sacrifícios em nome da causa. Os regimes totalitários estão aí para comprovar isto. Cada ideologia, assim, produzirá seus próprios efeitos colaterais quando ignora a complexidade de uma realidade bem mais ampla.

Como cristãos, enfim, reconhecemos que só há um absoluto e este é Deus. Todas as coisas foram por ele criadas e são, portanto, relativas. Não há nada que tomemos desta criação para promover como princípio absoluto que não irá chocar-se com a verdade bíblico cristã, pois constituir-se-á num ídolo concorrendo com o verdadeiro e único Deus.

A política é uma atividade humana. Cada ser humano, na perspectiva de uma cosmovisão cristã, é uma criatura de Deus e que vive no mundo criado por Deus. Sabemos disso porque a Bíblia o revela. Sabemos, ainda, que vivemos num mundo caído, afetado pelo pecado. Porém, Deus não nos deixa a mercê de nossa própria sorte. Ele vem, em Cristo Jesus, para redimir a humanidade. E, não só a humanidade, mas, todas as coisas[5]. Exatamente por isso os cristãos deveriam ser aqueles que mais se importam com este mundo criado por Deus. Isso implica em reconhecer que a cultura e a política também interessam a Deus e carecem de redenção.

Quando falamos que Deus é o criador de todas as coisas, a coerência nos leva a admitir também que existe uma ordem nesta criação. E, Deus permanece fiel a esta ordem com que ele criou as coisas. E, nós, os seres humanos, naturalmente seremos mais plenos e realizados se nos submetermos aos preceitos de Deus. A lei de Deus, portanto, não é imposta de forma arbitrária. Esta é uma interpretação que, no entanto, encontra resistência inclusive entre muitas pessoas que se confessam cristãs. O problema é que ao ignorar que Deus cria o mundo com ordem e normatividade perde-se todo e qualquer referencial. Ignora-se, por exemplo, que a função dos governantes é promover a justiça. Sim, entendemos que a promoção da justiça é um dever de cada ser humano a partir daquilo que o próprio Deus espera de nós. Como uma sociedade irá se organizar para buscar essa justiça é outro capítulo. Os meios para isso Deus não instituiu, pois esta é nossa responsabilidade. A promoção da justiça, no entanto, é uma ordem normativa da criação. Como a buscaremos fica sob a responsabilidade da criatividade e da liberdade humana. Cada contexto e realidade exigirá uma abordagem própria. Isso reconhecendo que, inclusive, há restrições à própria liberdade nesta ordem da criação.

Ignorar uma ordem normativa a partir da criação de Deus implicaria em considerar que toda e qualquer decisão humana se pauta sobre mera escolha ou preferência pessoal. Afinal de contas, o que sobraria quando não se pode reivindicar mais nenhum fundamento transcendental? Há quem argumente que restaria a vontade do mais forte, um poder soberano como uma construção social, um contrato, enfim.

Resta, ainda, uma pergunta honesta a ser enfrentada: se todos pecaram, como podemos ter acesso ao conhecimento que nos revela a correta ordem da criação de Deus? Como ter acesso e discernir o que é realmente fruto da boa vontade de Deus? A revelação geral de Deus nos permite dizer que em todas as épocas e em todos os lugares existe certa capacidade humana de reconhecer determinadas normas. Sem ignorar a realidade do pecado que nos confunde e, até mesmo cega, é fato que ao observarmos a cultura em diferentes lugares do mundo seremos capazes de notar certa tendência pela vida, pela justiça, pela cortesia, pelo discernimento entre o bem e o mal. Como tal revelação geral é ainda insuficiente, Deus faz uso também de uma revelação especial em Cristo Jesus.

Se a realidade está baseada nesta cosmovisão baseada na tríade criação-queda-redenção, logo perceberemos que as ideologias procuram oferecer a sua própria versão da realidade. Explicam a origem, os problemas e eventuais soluções a partir de outros pressupostos. Uma visão de mundo que parte do princípio de que tudo não passa de uma massa cósmica aleatória sobre a qual os seres humanos simplesmente impõem a sua vontade é bem diferente do que compreender que o mundo é uma boa e ordenada criação de um Deus de amor que nos colocou aqui com responsabilidades. Assim, cada ideologia reflete uma cosmovisão particular que está baseada em algum aspecto da criação, constituindo-se, assim, numa visão reducionista que não é capaz de dar conta da realidade como um todo.

O desafio consiste em buscar por uma abordagem social que seja biblicamente cristã e que, portanto, não seja idólatra. Se Deus é o único soberano, então, nenhum indivíduo na terra é soberano. A tradição tem o seu valor, mas, é marcada pela realidade do pecado. A comunidade humana é importante, mas, não digna de lealdade irrestrita. Governos podem ajudar a instaurar equidade econômica, mas, são limitados e não devemos depositar sobre ele as esperanças por resolverem todos os problemas. O fato é que a realidade apresenta a todos nós uma rica diversidade com que precisamos aprender a lidar por uma perspectiva cristã. Os condicionamentos geográficos, históricos, econômicos e políticos a que os seres humanos estão submetidos faz com que haja uma verdadeira pluralidade cultural no mundo. Cabe a um governo sob princípios cristãos reconhecer e proteger tal diversidade e, jamais impor apenas uma única noção de cultura. Tal postura confronta diretamente as ideologias que preferem impor seu credo baseado numa visão uniforme da realidade e que, por isso, procura moldar tudo a sua própria imagem. Como seres caídos, marcados pelo pecado, deveríamos nos conscientizar de que toda a nossa compreensão das coisas é parcial, logo, tomar a nossa verdade como se fosse toda a verdade obviamente resultará em problemas. Deus é uma unidade que cria um mundo complexo. Nós não temos condições de apreender toda a complexidade desta realidade.

Esta complexa realidade é composta por uma multiplicidade de esferas sociais ou comunidades diferentes em que os seres humanos vivem e exercem responsabilidades distintas. Em tal realidade somente Deus é soberano e absoluto. Qualquer tentativa de promover algo dentro desta realidade relativa à condição de fundamento configura idolatria. E, todo ídolo costuma exigir seus sacrifícios para que seus objetivos sejam atendidos. O problema com as ideologias é que quando elas reduzem seu sentido de ser a uma parte da criação, acabam negligenciando todo o restante e, assim, numa perspectiva reducionista, sua leitura da realidade acaba negligenciando outros aspectos desta realidade.

Concluindo, uma ideologia acaba por se identificar como idolatria na medida em que ignora a criação de Deus e apega-se a um fragmento desta criação, identificando neste fragmento o fundamento que confere sentido e razão para a leitura de toda a realidade mais ampla. Uma ideologia, portanto, apesar de conter verdade, pois baseia-se em aspectos da realidade, é incapaz de cumprir o que promete, afinal, reflete uma visão reduzida que nega as diferenças e sacrifica a diversidade do mundo criado em nome de uma unidade idólatra[6]. 

[1] GODAWA, Brian. Cinema e Fé Cristã: vendo filmes com sabedoria e discernimento. Viçosa: Ultimado, 2004. p. 13-22.
[2] I Tessalonicenses 5. 21.
[3] Lucas 4. 6.
[4] KOYZIS, David. Visões e Ilusões Políticas: uma análise e crítica cristã das ideologias contemporâneas. São Paulo: Vida Nova, 2014. p. 225.
[5] Colossenses 1. 19-20.
[6] KOYZIS, 2014, p. 54.

quarta-feira, 6 de julho de 2016

IDEOlatria

Ao criticarmos uma ideologia poderemos, conscientemente ou inconscientemente, estarmos defendendo outra. Adotar uma posição contrária a tudo que cheire a política ou, inadvertidamente, abraçar alguma proposta sem a devida crítica, são riscos que corremos. Quando se trata de ideologias políticas a própria bíblia tem sido utilizada para defender o capitalismo liberal, o socialismo e o conservadorismo, por exemplo. Com isso, perde o corpo de Cristo, a igreja, que se vê fragmentada e, até mesmo dividida, por questões político-ideológicas. O risco é de agirmos pela lógica de uma crença pautada ideologicamente. E, assim, sacrificamos os princípios e relativizamos os meios em nome de um objetivo.

Como cristãos costumamos dizer que a bíblia é o nosso parâmetro. A questão, no entanto, é: temos lido as escrituras de modo que ela ilumine nossa vida? Ou temos deixado que nossos próprios “óculos” culturais e ideológicos determinem a nossa leitura? Não há como evitar que a nossa história e o nosso contexto influenciem a leitura da realidade e da própria bíblia. Como cristãos, no entanto, deveríamos ser, acima de tudo, desconfiados a nosso próprio respeito. Vivemos um tempo em que parece ter ficado muito fácil lançar “verdades” ao vento e nos comportamos como donos desta verdade. Essa mesma bíblia que prezamos tanto, porém, adverte de que “o coração é mais enganoso que qualquer outra coisa e sua doença é incurável. Quem é capaz de compreendê-lo?” (Jr 17.9).

Uma ideologia pode, sim, ser capaz de identificar questões legítimas e até mesmo defender questões justas. O problema está em o quanto as pessoas podem confiar sua lealdade a ponto de tornarem-se cegas. É quando uma ideologia se torna um ídolo. Jesus nos adverte de que não se pode servir a dois senhores (Mt 6.24). Se tomarmos uma ideologia como digna representante que dá conta de explicar toda a complexa realidade da vida, então, estamos falando de um absoluto que substituiu o próprio Deus. E, para nós, cristãos, Deus é o único absoluto. Ele é o criador de todas as coisas. Logo, tudo abaixo dele é relativizado e passível de dúvida e questionamento, especialmente depois da queda, realidade em que nos encontramos todos (Rm 3.23).

Cada ideologia apresenta aspectos que legitimamente podemos reconhecer e valorizar. O problema está em promover este elemento como sendo aquele que confere sentido para tudo o mais. Sempre que atribuímos divindade a qualquer aspecto isolado da criação de Deus e fazemos a leitura da realidade a partir disso, corremos o risco de nos tornamos totalitários, contribuindo para a injustiça. A história da humanidade está repleta de exemplos de como regimes fundamentados numa ideologia radical levaram desde à fragmentação social até mesmo à grandes genocídios. O remédio está em nos conscientizarmos de que Deus é Deus e tudo o mais depende dele. Deus é o Criador, nós somos as suas criaturas. Não vamos nos dobrar diante de ídolos feitos por mãos ou mentes humanas! (Ex 20.3).

sexta-feira, 3 de junho de 2016

Mídia e Relacionamentos

Desde a popularização da televisão já se ouvia que as pessoas deixaram de sentar-se frente a frente para sentarem-se todos voltados para uma tela. Com isso, a crítica é de que a família e as relações humanas sofreram forte influencia da mídia. Todos teriam perdido algo em termos de intimidade, interação e comunhão. Mal sabiam estes que algo ainda mais radical viria. A rede mundial de computadores, o advento das redes sociais e toda a concentração disso num pequeno aparelho que cabe nos nossos bolsos, revolucionariam ainda mais as relações humanas. Nem mesmo uma família unida num sofá em frente à televisão existe mais. Hoje, cada um pode estar no seu quarto ou em qualquer outro lugar deslizando os dedos sobre um smartphone enquanto os ouvidos estão tapados, afastando ainda mais o indivíduo da realidade imediata.
Poderíamos cair facilmente na tentação de tomar tudo isso numa perspectiva meramente negativa. Realmente não se pode negar a fragmentação, a superficialidade e o egocentrismo exacerbado. No entanto, as novas tecnologias também tem trazido uma boa contribuição. Familiares distantes encontram facilidades para manter contato. Em tempo real as pessoas se comunicam com quem está do outro lado do planeta. Amigos que haviam ficado no passado, de repente, se reencontram pelas redes sociais. Existe, portanto, uma perspectiva que permite observar que a mesma tecnologia que afasta as pessoas umas das outras pode, também, aproximar. A questão, mais uma vez, parece estar muito mais em nós mesmos do que nas coisas externas que gostamos de culpar. O problema estaria menos nas coisas em si do que na utilização que fazemos delas.
A criação de Deus foi avaliada por ele mesmo como sendo algo bom, muito bom (Gênesis 1.31). Os primeiros versos das escrituras nos revelam que também a humanidade foi criada sob tal avaliação. Mais do que isso, esta humanidade foi criada com a responsabilidade de dar continuidade à criação. Dominar, subjugar, dar nome, cuidar e cultivar configuram apenas algumas das ações com as quais Deus nos incumbiu. Dentre outras coisas a nossa capacidade criativa reflete a imagem e semelhança de Deus com a qual fomos criados. Mediante tal compromisso e responsabilidade, cabe a nós darmos prosseguimento no desenvolvimento cultural sobre a terra. E, a história revela que é exatamente isso que tem ocorrido. Basta olhar à nossa volta para enxergarmos as maravilhas que a humanidade trouxe à realidade.
Seria de se esperar que o ser humano criado por Deus, fosse capaz de imprimir sobre a obra de suas mãos a mesma beleza, justiça e verdade reveladas na boa criação de Deus. Basta, porém, um passeio pelas ruas, uma olhada no noticiário, para constatarmos que isso não corresponde à realidade. O que foi que aconteceu? Depois do relato a respeito de toda a criação de Deus vem o relato da queda. A rebelião do ser humano que se achou autossuficiente o bastante para abrir mão do seu criador. Logo, as pessoas passaram a forçar sobre a ordem da criação de Deus uma direção que não mais estava em consonância com o belo, o justo e o correto. O potencial criativo não foi perdido. Mas, agora, cada um reflete em sua vida a vaidade, a cobiça, a ganância, a sede pelo poder e dominação. Enfim, a beleza foi manchada, a justiça se corrompeu, a mentira se tornou padrão. Vemos, portanto, que a postura de transgressão é praticamente natural ao ser humano. O perigo está em louvar tais posturas sem nos darmos conta de que podemos estar dando vazão a algo que já se tornou um vício.
Como cristãos, sabemos também, no entanto, que Deus não deixou as coisas assim. Jesus Cristo é aquele que se encarnou para a redenção de todas as coisas (Colossenses 1.19-20). Depois que compreendemos qual é a nossa verdadeira identidade bem como de quem somos súditos, entendemo-nos livres para retomar os propósitos de Deus revelados no livro de Gênesis. Enfim, podemos redirecionar nosso empreendimento, nossa vocação, nosso trabalho, nosso labor cultural pelos padrões estabelecidos lá na criação. A televisão é uma coisa boa. A internet é uma coisa boa. As redes sociais são coisa boa. O aparelho celular é uma coisa boa. Tudo isso revela a capacidade humana de refletir a imagem de Deus com a qual fomos criados. Continuamos criativos, cultivamos coisas novas. O problema, no entanto, é que vivemos sob os efeitos da queda e do pecado. Imprimimos sobre as boas obras de nossas mãos uma direção destrutiva, maléfica, alienante. Mas, será que era para ser assim? Claro que não. Logo, como cristãos, conscientes da realidade, podemos fazer uma diferença real neste mundo. Basta que tomemos o controle de nossas vidas e nos demos conta de que nenhum outro controle pode ser mais forte do que a nossa vontade de viver para a glória de Deus. Aquele que conhece o seu criador perguntará pelos seus padrões para viver neste mundo de forma a sinalizar a realidade de outro reino.
Um dos desafios da vida cristã consiste em ser capaz de olhar para o mundo com discernimento. Um discernimento que possibilita celebrar a beleza e a justiça, mas, que ao mesmo tempo, lamenta a corrupção e toda a injustiça. Em que e em quem nós temos prestado atenção em nossos dias? Somos todos passíveis das mais diversas influencias. A pós-modernidade e toda a sua rede de informações e entretenimento facilita ainda mais que romancistas, dramaturgos, jornalistas, artistas, atletas e cantores populares tornem-se verdadeiros legisladores invisíveis do mundo, como diria o ensaísta e médico psiquiatra Theodore Dalrymple. O quão crítico temos sido diante de tudo o que temos visto e ouvido? O cristão não se rende aos padrões de um mundo caído e imerso na corrupção.
O desafio para nós cristãos, portanto, não consiste na alienação. Tampouco está em apenas tecer críticas ácidas e rejeitar toda a cultura à nossa volta. Existe muito mais de beleza, justiça e verdade a celebrar do que mal a lamentar. Já sabemos qual será o final, portanto, vivamos hoje pela perspectiva da consumação. É vontade de Deus que vivamos neste mundo desfrutando de toda a maravilha da criação. Que existe maldade e injustiça, portanto, não surpreende aquele que conhece qual o potencial corrupto de seu próprio coração. É o apóstolo Paulo quem nos deixa uma orientação sucinta que aponta para o padrão: “irmãos, rogo-lhes pelas misericórdias de Deus que se ofereçam em sacrifício vivo, santo e agradável a Deus; este é o culto racional de vocês. Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente, para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus” (Romanos 12:1-2). Em nossos relacionamentos bem como no uso que fazemos de toda a tecnologia à nossa disposição, a orientação é a mesma. Não se amoldem, mas, questionem, investiguem, avaliem tudo e retenham aquilo que edifica. Usar a mente e o senso crítico é fundamental para que possamos conhecer a Deus e viver dentro de sua vontade que sempre foi, permanece e sempre será boa, agradável e perfeita!
O Deus que te redimiu e te reconciliou com Ele mesmo no sacrifício de Jesus Cristo deseja o restabelecimento também de nosso relacionamento em todas as demais dimensões da vida. Quem vive em paz com o seu Deus se reconciliará também com a criação deste Deus, com o próximo e, inclusive, consigo mesmo. Deus nos libertou para isto. Desfrute e cuide do ambiente em que Deus te colocou. Dê uma nova direção para a tua relação com o mundo que Deus criou. Da mesma maneira, imprima uma nova direção para os teus relacionamentos. Você pode ir ao encontro do outro, romper as limitações, erguer os olhos, tirar os fones, trocar o toque de uma tela fria por um abraço quente e apertado. O Deus que se encarnou em Jesus Cristo foi além das tecnologias da época e se colocou ao lado de seus discípulos. Não se trata somente de substituir uma coisa pela outra, mas, de integrar uma realidade maior e mais profunda à experiência da vida. Mude também o jeito de lidar com você mesmo. Reconcilie-se com a sua história, aceite quem você é e deixe que Deus trabalhe aquelas coisas que ainda precisam de cura e reconciliação.
Ninguém melhor do que aquele que te fez para ajudar você a viver uma vida mais plena e cheia de sentido. Além de toda a criatividade que há em nós, também a iniciativa e a capacidade de reordenar as coisas são um reflexo da imagem e da semelhança do Deus que nos criou. É uma questão de referenciais. Julgar tudo pelos padrões do criador e não o contrário. Quando as vozes da moda nos moldam mais do que a vontade de Deus, então, seremos reféns das circunstâncias de uma realidade fragmentada e sem qualquer referencial. Saibamos, portanto, que é Deus, o criador, que estabelece tanto os limites como as responsabilidades e a própria liberdade!

segunda-feira, 21 de março de 2016

Um Corrupto Entre os Discípulos

 Você também já deve ter ouvido falar de uma bancada evangélica no Congresso Nacional. A má conduta de alguns líderes, pastores, padres e políticos que se declaram cristãos costuma ser utilizado como acusação contra a igreja. Esse tipo de crítica geralmente parte da ideia de que a igreja é um reduto de santos. Aqueles, porém, que conhecem a Bíblia e os relatos envolvendo Jesus e a origem da igreja, sabem muito bem que o joio e o trigo crescem juntos.

O Brasil vive mais um período difícil de sua história. Em meio a uma grande operação investigativa, há muitas acusações, delações, batalhas judiciais e políticas. Pessoas com muito dinheiro e acostumadas ao poder estão sendo expostas e até mesmo presas. Diante do noticiário nem sempre é fácil saber onde está a verdade, qual a versão mais condizente, qual posição tomar frente aos acontecimentos. Uma questão pertinente a ser lembrada é que a corrupção não se localiza em partidos políticos, não é privilégio de apenas uma ou outra ideologia, não poupa religiões, gera escândalo em toda parte. O realismo bíblico explica que não são instituições impessoais, sistemas abstratos ou movimentos ideológico-partidários que, a priori, geram a corrupção. É verdade que cada uma destas, dependendo de como se organiza, pode potencializar o mal. As Escrituras ensinam que “não há distinção, pois todos pecaram e estão destituídos da glória de Deus” (Romanos 3:22-23). Corrupção é coisa do ser humano. “O coração é mais enganoso que qualquer outra coisa e sua doença é incurável. Quem é capaz de compreendê-lo?” (Jeremias 17.9).

Não sejamos, pois ingênuos. O próprio Jesus sabia muito bem dessa disposição humana para o mal. Havia entre os doze discípulos, que ele havia escolhido a dedo, também um que deu vazão a toda corrupção do coração. É verdade que o potencial da corrupção estava em todos eles. Todos cometiam seus erros. Uma coisa, porém, é errar, cometer equívocos, reconhecer, fazer a autocrítica, aceitar admoestações e corrigir o caminho. Havia um, no entanto, que não se permitia um coração quebrantado e humilde. Além de ser conhecido na história como aquele que traiu Jesus por um punhado de moedas, Judas era um corrupto entre os doze. Ele tinha a sua própria agenda paralela a tudo aquilo que Jesus estava propondo. Mais uma vez é preciso admitir que essa agenda paralela também pode ser identificada nas palavras e atitudes dos demais discípulos. Estes, porém, deixaram-se orientar e terminaram os dias como mártires da causa do evangelho. Não foi o caso de Judas Iscariotes.

Uma semana antes da páscoa judaica Jesus estava numa casa quando foi surpreendido pelo gesto de uma mulher. Ela começou a ungir Jesus despejando sobre ele um perfume caríssimo. Diante da cena um dos discípulos de Jesus se apressa em protestar: “Por que isso!? Este perfume é caríssimo, veja a marca, poderia ser vendido facilmente por mais de trinta mil reais. Teríamos, assim, um bom dinheiro para ajudar os pobres!” (João 12. 5). Jesus repreende Judas afirmando que ele não entendia o que realmente estava acontecendo (João 12.7-8). Há, porém, uma denúncia de João a respeito de Judas que Jesus, naquele momento, não deixa claro. O autor do relato afirma que Judas não dizia aquilo protestando porque realmente se importava com os pobres, mas porque era ladrão. Judas era o tesoureiro do grupo e costumava se apropriar indevidamente do dinheiro que guardava (João 12.6). Fazia o discurso em favor do pobre porque isso propiciava oportunidades de levar vantagem.

O que nós, hoje, podemos aprender deste relato bíblico? Primeiro que Jesus conhece bem aqueles que afirmam estar com ele e defender a sua causa. Não deveria ser, portanto, espanto para a igreja e os cristãos que haja aproveitadores, traidores e corruptos entre eles. Isso nunca foi novidade. O relato bíblico e a história o revelam. Cabe a admoestação, a repreensão e o chamado ao arrependimento e à mudança de rumo. Uma segunda e importante lição é que o discurso em favor do pobre também sempre foi utilizado para encobrir intenções escusas. Políticas sociais e iniciativas a favor dos mais necessitados costumam sensibilizar corações e gerar arrecadação de fundos que, lamentavelmente, costumam ser desviados pela corrupção. A instrumentalização da pobreza é comum no meio político para gerar votos e financiar projetos de poder.

Em meio aos escândalos, denúncias de corrupção, desvios e tudo aquilo que contribui para o que costumamos escutar como crise política e econômica, muitos cristãos, confusos, mas, bem intencionados, se apressam em tomar partido. Cientes de que, sim, os cristãos e a igreja são chamados a defender a causa da viúva, do órfão e do estrangeiro (Deuteronômio 27.19), como encontramos em todo o Antigo e Novo testamento, tendemos a aderir facilmente ao discurso pela causa do pobre. O risco em meio a tudo isso é de nos esquecermos de que a causa do evangelho - o amor e a misericórdia, o cuidado com o necessitado - é anterior às ideologias modernas. Cuidemos, pois, para não nos encontramos ostentando a bandeira do evangelho ao mesmo tempo em que, equivocadamente, nos colocamos ao lado da injustiça. Mesmo que seja legítimo o envolvimento político-partidário, bem como a adesão às causas e movimentos organizados, o cristão possui fundamento e motivação na causa contra a injustiça que é anterior e está acima de todas as disputas humanas. 

Antes, portanto, de qualquer adesão cega às ideologia humanas, cuidemos para não nos encontrarmos legitimando atos de corrupção sob o argumento da promoção da justiça em favor dos mais pobres. Não nos deixemos seduzir e assumir, assim, o slogan de que “os fins justificam os meios”. Estes meios, muitas vezes, podem causar mais dor, maldade e injustiça do que o fim pretensamente nobre. Antes, portanto, de entramos em acaloradas discussões envolvendo ideologias políticas ou famosas figuras do cenário político, peçamos sabedoria e discernimento a Deus. Oremos, inclusive pelos adversários. Calemos e não nos precipitemos! Não devemos nos omitir, é verdade. Mas, também não há motivo para palavras e gestos afoitos. Que mesmo quando uma palavra mais dura for necessária, que seja o último recurso. Como pessoas reconciliadas com Deus, somos feitos seus embaixadores para vivermos de tal modo que nosso testemunho sirva de luz àqueles que praticam a injustiça.

sábado, 12 de março de 2016

Instruções de Jesus aos Seus Colaboradores

Jesus enviou os doze trabalhadores com esta responsabilidade:

Para converter quem não crê, não comecem viajando para longe. Não tentem ser dramáticos, travando batalhas contra inimigos públicos. Procurem os perdidos, os que se sentem confusos aqui mesmo na vizinhança. Digam-lhes que o Reino já está aqui. Levem saúde para os doentes. Ressuscitem os mortos. Toquem os que são considerados imundos. Expulsem demônios. Vocês são tratados com generosidade, por isso vivam generosamente.

Não pensem que será necessário uma campanha para levantar fundos antes de começar. Não será necessário muito equipamento. Vocês são o equipamento. Tenham em mente de que tudo de que precisam são três refeições por dia. Não carreguem muito peso na viagem. Quando entrarem numa cidade ou numa vila, não procurem nenhuma hospedagem de luxo. Consigam um lugar simples, onde haja pessoas simples: não queiram mais do que isso.

Quando baterem à porta de uma casa, sejam educados. Se forem bem recebidos, sejam gentis na conversa. Se não forem, retirem-se sem estardalhaço, sem fazer cena. É hora de dar de ombros e continuar o caminho. Estejam certos de que no dia do juízo eles irão lamentar o que fizeram, mas isso não será mais problema de vocês.

Mantenham-se alerta. Eu os estou incumbindo de um trabalho perigoso. Vocês serão como ovelhas correndo no meio de um bando de lobos, portanto não chamem atenção para vocês. Sejam espertos como a serpente, mas inofensivos como as pombas.

Não sejam ingênuos. Alguns irão contestar as motivações de vocês, outros tentarão manchar sua reputação – só porque vocês creem em mim. Não fiquem deprimidos se forem levados perante as autoridades civis. Sem saber, eles fazem a vocês - e a mim – um grande favor, dando-lhes um palanque para pregar as novas do Reino! E não se preocupem com o discurso. As palavras certas serão ditas. O Espírito do pai de vocês irá providenciá-las.

Quando o povo perceber que é o Deus vivo que vocês representam, não algum ídolo que os faça sentir-se bem, eles irão volta-se contra vocês, até mesmo membros da família. Aqui está uma grande ironia: proclamar tanto amor e experimentar tanto ódio. Mas não desistam. Não se deixem abater. No final, valerá a pena. Vocês não estão perseguindo o sucesso, mas apenas tentando sobreviver. Sejam sobreviventes! Antes que se esgotem as opções, o Filho do Homem estará de volta.

O aluno não ocupa uma posição mais elevada que a do professor. O empregado não ganha mais que o patrão. Portanto, deem-se por satisfeitos quando vocês, meus alunos, meus trabalhadores na colheita, receberem o mesmo tratamento que eu recebi. Se a mim, que sou mestre, eles chamam ‘demônio das moscas’, o que os criados podem esperar?

Não fiquem com medo. No tempo oportuno, tudo será manifesto, e todos irão saber como as coisas realmente são. Assim, não vacilem em torna-las públicas agora.

 Não se calem diante dos blefes e das ameaças dos valentões, porque não há nada que eles possam fazer contra a alma de vocês. Mantenham-se tementes a Deus: ele é quem sustenta em suas mãos a vida – corpo e alma – de todos.

 Mateus 10. 5-28 na versão A Mensagem de Eugene Peterson para as orientações de Jesus aos doze discípulos

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