Lendo a primeira carta de João, encontramos ali um verso onde diz que “quem não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor” (I João 4. 8). Interessante notar que amor não é aqui descrito como mera característica de Deus. Não aparece como um adjetivo: amoroso, amável, carinhoso ou coisa semelhante. Deus é amor. Mas, em que este amor se manifesta? Qual é o argumento de João que o permite fazer tal declaração? Continuando a leitura do texto, veremos que o autor conclui: “Foi assim que Deus manifestou o seu amor entre nós: enviou o seu Filho Unigênito ao mundo, para que pudéssemos viver por meio dele. Nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos amado a Deus, mas em que ele nos amou e enviou seu Filho como propiciação pelos nossos pecados” (I João 4. 9, 10). Deus toma a iniciativa. Ele oferece a quem não merece. Trata-se de um amor que envolve sacrifício.
No verso anterior João fala de uma coisa que nos lembra o início da humanidade: “amemos uns aos outros, pois o amor procede de Deus. Aquele que ama é nascido de Deus e conhece a Deus” (I João 4. 7). Em Gênesis 1. 27 lemos: “criou Deus o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou”. Ora, se Deus é amor e se a humanidade foi criada à imagem e semelhança de Deus, então, de alguma forma, nós também temos essa capacidade de amar. Se isso é verdade, porque então vemos tanto ódio, tantas guerras, tanta insensibilidade nesse mundo? Onde está esse amor que se doa, se entrega, que é capaz do sacrifício pelo outro? O que aconteceu? Alguma coisa deve estar errada...!?
O problema talvez esteja no fato de que semelhança difere de aproximação. O fato de o ser humano carregar consigo uma semelhança com Deus não significa que ele seja um deus. Mas, sem Deus ou, longe dele, corremos o risco de fazer do amor o nosso deus. Passamos a justificar nossas práticas com discursos que incluem razões motivadas pelo amor. Nossos amores podem ser legítimos. A nossa semelhança com Deus nos permite amar de verdade. Porém, ser semelhante não significa estar próximo. Quando nós nos esquecemos da nossa tendência à egolatria, até mesmo o amor pode se transformar num deus ou, num demônio.
C. S. Lewis é um autor que faz pouco tempo começou a se tornar mais popular no Brasil graças ao filme “As Crônicas de Nárnia: O Leão, A Feiticeira e o Guarda Roupa”. Lewis, no entanto, é autor de diversos livros, desde contos infantis até livros com temas cristãos mais complexos. Sobre o tema de que estamos tratando, ele escreve em seu livro “Os Quatro Amores”: “Todo amor humano, em seu apogeu, possui a tendência de reivindicar uma autoridade divina. Sua voz tende a soar como se fosse a vontade do próprio Deus. Ela nos diz para não contar o custo, exige de nós um compromisso total, tenta superar todas as outras reivindicações e insinua que todo ato feito sinceramente 'por causa do amor' é portanto, legal e até meritório. Que o amor erótico e o amor patriótico tentam dessa forma 'tornar-se deuses' é geralmente reconhecido. Mas a afeição familiar pode fazer o mesmo, assim como a amizade, embora de modo diverso.” É quando nossos amores naturais se tornam deuses que eles, embora continuem sendo chamados de amores, transformam-se na verdade em ódio.
Confesso que eu ainda não entendo quase nada sobre o amor. Necessito refletir mais a respeito. Embora não saiba explicar bem como, tenho uma certeza meio estranha: esse negócio de amor nos impele por alguma razão e nos atrai por alguma outra (ou seria a mesma?). Se até mesmo o amor pode se tornar ódio e levar a guerras justificadas, qual seria a salvação para uma humanidade que têm o amor como a sua característica mais nobre!? Por isso, parece-me cada vez mais difícil ignorar a existência de Deus. Pois nem mesmo o amor pode substituí-lo. Se o amor não é Deus, então, nem mesmo esse amor, por mais que se pregue e se cante, por mais que se busque e se entregue, pode salvar a humanidade. O amor ainda não é Deus. Mas, Deus é amor.
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